ATA DA DÉCIMA OITAVA SESSÃO SOLENE DA TERCEIRA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA LEGISLATURA, EM 13.06.1991.

 


Aos treze dias do mês de junho do ano de mil novecentos e noventa e um reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Décima Oitava Sessão Solene da Terceira Sessão Legislativa Ordinária da Décima Legislatura, destinada a homenagear o Dia de Portugal - Dia de Camões, a Requerimento, aprovado, do Vereador Antonio Hohlfeldt. Às dezessete horas e vinte minutos, constatada a existência de "quorum", o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos e convidou os Líderes de Bancada a conduzirem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a Mesa: Vereadores Antonio Hohlfeldt e Airto Ferronato, respectivamente, Presidente e Vice-Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Senhor Manoel Dias da Silveira, Cônsul de Portugal em Porto Alegre e sua Esposa, Senhora Raila Silveira; Senhor Régis René Eggers, Chanceler do Consulado Português; Senhor Joaquim Ferreira de Mello, Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Beneficência; Senhor Silvino Gomes Novo, representando o Presidente da Casa de Portugal, Senhor Vitorino de Bem; Senhor Carlos Noronha Feyo, Diretor do Instituto Cultural Brasil-Portugal e Vereador Vicente Dutra, Secretário "ad hoc". Em continuidade, o Senhor Presidente convidou a todos para, de pé, ouvir o Hino Nacional. Após, o Senhor Presidente concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Vereador Antonio Hohlfeldt, autor da proposição, em nome das Bancadas do PT, PDT, PMDB, PL, PSB e PCB, destacou que esta solenidade também é em homenagem ao Poeta Português, destacando três poetas daquele País: Luiz de Camões, Fernando Pessoa e Cesário Verde e, ainda, lendo trechos de poesias portuguesas. O Vereador Vicente Dutra, em nome da Bancada do PDS, ressaltou que esta Casa, hoje, homenageia Portugal, lendo mensagem, em nome de seu Partido, atribuindo à miscigenação dos portugueses a responsabilidade pela nossa tradição, costumes e cultura, em especial na zona do Município de Porto Alegre. O Vereador Artur Zanella, em nome da Bancada do PFL, discorreu acerca desta solenidade, falando sobre as descendências das pessoas presentes e das construções portuguesas e, ainda, salientando a importância da cultura portuguesa para a manutenção do Brasil como País unido. Na ocasião, o Senhor Presidente registrou as presenças, no Plenário, da Senhora Ione Menegolla, Professora de Cultura Portuguesa da PUC; Senhor Luís Alberto Cibizs, Presidente do Instituto Histórico do Rio Grande do Sul; Senhora Norma Oliveira Pires, Diretora Cultural e Vice-Presidente da Casa de Portugal; Senhora Santa Inese da Rocha, Presidente do Instituto Cultural Português; Senhora Maria Ruth Annes, Assessora da Biblioteca da Casa de Portugal; Senhor Altair Lemos, Cônsul do Peru na Cidade de Porto Alegre; Senhora Maria Luiza Armando, do Instituto de Letras e Artes da UFRGS; Senhora Maria Isaura Gameiro, Vice-Presidente da Academia Literária Feminina de Letras do Rio Grande do Sul; Senhor Sérgio Farina, da UNISINOS; Senhora Beatriz Franza, Coordenadora do Mestrado de História da UFRGS; Senhora Maria Dinorah, Escritora; Senhora Hilda Flores, Professora da UFRGS e Fernando Schüller, Coordenador do Livro da Secretaria Municipal de Cultura. A seguir, o Senhor Presidente concedeu a palavra aos Senhores Ione Menegolla e Luís Manoel Dias da Silveira, que agradeceram a homenagem prestada pela Casa e discorreram acerca da língua e literatura portuguesas. Em continuidade, o Senhor Presidente convidou a todos para, de pé, ouvirem o Hino Nacional Português. Às dezoito horas e dezessete minutos, o Senhor Presidente agradeceu a presença de todos e, nada mais havendo a tratar, declarou encerrados os trabalhos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelos Vereadores Antonio Hohlfeldt e Airto Ferronato e secretariados pelo Vereador Vicente Dutra, Secretário "ad hoc". Do que eu, Vicente Dutra, Secretário "ad hoc", determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidente e 1º Secretário.

 

 


O SR. PRESIDENTE (Airto Ferronato): Senhoras e Senhores, em nome da Mesa Diretora da Câmara Municipal de Porto Alegre e dos seus 33 Vereadores prestamos, nesta Sessão Solene, as nossas homenagens a Portugal e a seu povo, pátria que nos une por laços históricos, culturais, políticos e, especialmente, humanos. Não podemos deixar de registrar neste momento a nossa saudação, o nosso carinho e o nosso afeto a nossa Pátria Mãe e ao seu povo.

Convidamos a todos para que em pé ouçamos o Hino Nacional.

 

(É executado o Hino Nacional.)

 

O SR. PRESIDENTE: O primeiro orador está com a palavra, Ver. Antonio Hohlfeldt.

 

O SR. ANTONIO HOHLFELDT: É significativo que Portugal escolha como dia na nacionalidade também o dia de seu poeta maior. É por isso que, em vez de fazer um discurso longo, permito-me apenas ler algumas passagens de poemas de três poetas portugueses, não querendo, de maneira alguma, reduzir a poesia portuguesa a esses três poetas, mas tomando aqueles que, universalmente, são considerados os dois maiores poetas portugueses: Luís de Camões e Fernando Pessoa, bem como um outro que, a mim, me agrada muito, que é Cesário Verde. Poderia lembrar Miguel Torga, com quem ideologicamente me identifico; poderia lembrar, enfim, todos os novíssimos valores da poesia portuguesa de hoje, pós 1974, que tiveram a oportunidade da livre manifestação da pátria de origem, mas preferi ficar com esses três.

E começo exatamente relembrando um texto de Camões que pela atualidade me chama a atenção, um texto em que ele diz: (Lê.) “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, muda-se o ser, muda-se  a confiança. Todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. Continuadamente vemos novidades, diferentes em tudo da esperança; do mal ficam as mágoas da lembrança e do bem, se algum houve, as saudades. O tempo cobre o chão de verde manto, que já foi coberto de neve fria, e em mim converte em choro o doce canto. E, afora este mudar-se cada dia, outra mudança faz de mor espanto: que não se muda já como soía.” Se nós não antecipássemos a assinatura de Camões, certamente nós ficaríamos entusiasmados pela atualidade do pensamento, de um lado neo-liberal, que vira etiqueta e moda nos dias de hoje, com as mudanças e com o afã dessas mudanças e, de outro lado, o negativismo que desde os anos 1950 permeia o pensamento ocidental. Mas o mesmo poeta Camões é capaz de cantar o amor com a ênfase como deste outro poema que diz: (Lê.) “Quem diz que amor é falso, até todos esses seus males são um bem e eu, por todo outro bem, não trocaria". Sem dúvida nenhuma um tema oportuno se nós pensarmos que ontem era o nosso Dia dos Namorados, hoje é o Dia de Santo Antônio, aliás o meu padroeiro, e são tradições que nós trazemos exatamente das nossas origens portuguesas. Mas Camões também tem menção, ainda que relativamente, no canto dez dos Lusíadas, a nossa própria Pátria.

 Todos nós sabemos tudo o que os portugueses construíram neste Continente, e até hoje o contraste é evidente, e não estou a fazer rima apenas, mas chamando a atenção sobretudo para o contraste forte que se faz entre a América portuguesa separada, dispersa, sem unidade, com competições e a unidade que bem ou mal forjamos em toda essa extensão fantástica de milhões de quilômetros quadrados deste País que se chama Brasil; ou a unidade lingüística que, por incrível que pareça, em continentes e pontos distantes como de Macau a toda extensão da África e a esta terra ligada a Portugal na Europa,conseguimos manter ao longo desses anos exatamente pela influência portuguesa.

Saltamos no tempo, saltamos no espaço dois dos mais belos poemas de Fernando Pessoa, escritos ambos no mesmo dia e ambos profundamente contraditórios, um em relação ao outro, mas que definem, sem dúvida nenhuma, o papel do artista. "Autopsicografia", de 1º de abril de 1931: (Lê.) "O poeta é um fingidor / Finge tão completamente / Que chega a fingir que há dor / Há dor que deveras sente / E os que lêem e os que escrevem / Na dor lida sentem bem / Não as duas que ele teve / Mas só a que eles não têm / E assim nas calhas de roda / Gira entre ter a razão / Esse comboio de corda / Que se chama coração." Pois, no mesmo dia, quem sabe lá na mesma hora, ele também compôs um poema chamado "Isto", que diz: (Lê.) "Dizem que finjo ou minto / Tudo que escrevo / Não, eu simplesmente sinto / Com a imaginação / Não uso o coração / Tudo que sonho ou passo / O que me falha ou finda / É como que um terraço / Sobre outra coisa ainda / Essa coisa é que é linda / Por isso escrevo em meio / Do que não está ao pé / Livre do meu enleio / Sério do que não é / Sentir, sente quem lê." Ao lado do Fernando Pessoa negativista, por exemplo, da afirmativa do "não sou nada; nunca serei nada; não posso querer ser nada", do poema "Tabacaria", de 1928, e que é desmentido na prática por tudo aquilo que significou Fernando Pessoa e que foi desmentido, por antecipação, pelo próprio Fernando Pessoa, se lembrarmos as Conferências de 1912, em que ele dizia que a história portuguesa e a cultura portuguesa, de uma certa maneira, antecipariam o grande poeta de Portugal. E, logo depois, era o próprio Fernando Pessoa que surgia como o grande poeta nacional do Portugal moderno. Mas é, sobretudo, a lição do Fernando Pessoa, da “Aldeia”, do “Guardador de Rebanhos” em que diz: (Lê.)  “Da minha aldeia vejo o quanto da terra se pode ver no universo, por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer, porque sou do tamanho do que vejo, e não do tamanho da minha, altura". Ou, ainda, numa outra passagem do mesmo poema: " O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, mas o Tejo não é mais belo do que o rio que corre pela minha aldeia, porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia, o Tejo tem grandes navios e navega nele ainda para aqueles que vêem em tudo que lá não está a memória das naus, o Tejo desce de Espanha e o Tejo entra no mar em Portugal, toda gente sabe disso, mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia e para onde ele vai, e de onde ele vem; e por isso, porque pertence a menos gente, é mais livre e maior o rio da minha aldeia". Esses são os contrastes que marcam a poesia de Fernando Pessoa e, sem dúvida nenhuma, são os contrastes que marcam a nacionalidade portuguesa. Um espaço geograficamente tão pequeno, um espaço que, no entanto, tem uma história tão rica, inclusive e sobretudo, desde a sua libertação do domínio árabe, o espaço que foi a primeira nacionalidade européia. Embora tenha sido, também, um espaço que pagou pesados frutos a um sistema e a um processo político e financeiro que cada vez mais avançou sobre o globo terrestre e que fez com que Portugal muito cedo, como Espanha, se tornasse apenas um corredor de passagem de mercadorias, de riquezas que foram financiar a revolução industrial inglesa, as fantásticas industrializações dos países baixos, da Alemanha e que pouco deixou, talvez não aos reis ou aos ricos de Portugal, mas ao povo de Portugal. E, por isso mesmo, continuou tendo de emigrar, como os açorianos que vieram aportar nesta terra, no século XVIII, e que aqui ocuparam espaços e geraram espaços importantes, como demonstra, por exemplo, a tradição da Laguna; como demonstra, por exemplo, a história de homens como Cristóvão Pereira que, praticamente, se deve sempre considerar como fundador do Rio Grande, como nos mostra Silva Paes, que foi iniciador, através do Forte Jesus Maria José.

Então, é esse Portugal que, sem dúvida nenhuma, nós precisamos lembrar, até por inspiração da própria Nação através dos seus poetas.

Para concluir, eu queria apenas citar duas passagens deste poeta que a mim particularmente me diz muito que é Cezário Verde. Dois poemas, um denominado “Cristalizações”, que tão bem define a paisagem, aquela paisagem brumosa, característica do impressionismo.

Este retrato que não é mais uma paisagem física, mas é uma paisagem humana, e é uma paisagem social, e não é por um acaso que Cezário escolhe tipos populares da cidade para focar a sua atenção, que se completa sobretudo, neste sentimento que é tão português e que muitas vezes nós dizemos, é a palavra única do português que não se traduz, que é a nostalgia, que se encontra no sentimento do ocidental, sob o título específico do poema "Ave Maria".

São, sem dúvida nenhuma, imagens do passado, talvez, remoto, mas que para nós que resultamos deste movimento, resultamos destas conquistas, é um presente muito forte que me permiti nesta fala relembrar, exatamente, através da própria proposta da homenagem à nacionalidade portuguesa através dos seus poetas, a partir, sobretudo, de Camões.  (Palmas.)

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Airto Ferronato): O Ver. Antonio Hohlfeldt falou pela sua Bancada o PT, e pelas Bancadas do PDT, PMDB, PTB, PCB, PSB e PL.

Convidamos o Ver. Antonio Hohlfeldt, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, para passar a presidir esta Sessão a partir deste momento.

 

O SR. PRESIDENTE (Antonio Hohlfeldt): Passamos a palavra, a seguir, ao Ver. Vicente Dutra, que falará pela Bancada do PDS.

 

O SR. VICENTE DUTRA: Senhores e Senhoras, comemoramos, nesta Sessão Solene e festiva, o Dia da Raça, o Dia de Camões, o Dia da Nação Portuguesa. E de alguma forma comemoramos também o Dia da Nação Brasileira, eis que ela foi fundada com a miscigenação decorrente do encontro de portugueses, índios e negros, que formam a base da população deste País.

Somaram-se mais tarde espanhóis, alemães, italianos, judeus, árabes, chineses, japoneses e imigrantes de quase todo o mundo, o que dá à nossa sociedade o caráter de uma imensa organização de nações, tão bem unidas que podem fazer inveja à de Nova Iorque.

Pode-se atribuir esta união à presença portuguesa. São os portugueses talvez o único povo capaz de miscigenar-se sem perder a sua identidade. Foi o que se viu no Brasil e que se vê em Caracas, na Venezuela e em Boston, nos Estados Unidos, duas das grandes colônias portuguesas da atualidade.

O Rio Grande do Sul, o único Estado brasileiro por opção, começou a ser desbravado pelos bandeirantes paulistas, portugueses e mamelucos. Nos fins do século XVII desceram de São Paulo, pela Vila de Laguna, então a fronteira viva do Brasil, os Capitães-Mores Brito Peixoto, do Minho, e os tropeiros Pinto Bandeira, de Valongo, no Porto, e de Viana do Castelo, os flamengos Leme, aculturados na Ilha da Madeira; os Prado de Olivença; os Raposo, de Beja.

Quase ao mesmo tempo chegavam ao Rio Grande do Sul os portugueses da Colônia do Sacramento: os Sousa Fernando de Oliveira, do Hospital em Coimbra; os Fonseca, de Bragança; os Rodrigues Fernandes, de Miranda do Douro, e tantos outros que foram assentando sesmarias na mesma medida em que, a ponta de lança e a pata de cavalo, iam desalojando da raia o espanhol renitente.

Porto Alegre se ergueu sobre três sesmarias: a de Jerônimo de Ornelas Meneses e Vasconcelos, da Vila de Santa Cruz, na Madeira; a de Sebastião Francisco Chaves e a de Dionísio Rodrigues Mendes, de Tomar, em Lisboa.

Foi aqui que desembarcaram, na metade do século XVIII, os casais dos Açores. Centenas de casais. Impossível enumerá-los. No entanto, e apesar da chegada posterior de dezenas de milhares de imigrantes alemães e italianos, os apelidos portugueses dominam amplamente em Porto Alegre. Recente estudo de genealogista gaúcho mostrou que a descendência de lagunenses e de açorianos constitui a grande maioria da população de Porto Alegre, estimada hoje em um milhão e duzentos mil habitantes.

Como se vê, Sr. Presidente, Sr. Cônsul de Portugal e Srs. Vereadores, há razão sobrada para dizer-se que a data comemorada não é apenas da Nação portuguesa. Também é nossa, do Rio Grande, e especialmente de Porto Alegre.

 

(Não revisto pelo autor.)

 

O SR. PRESIDENTE: Concedemos a palavra ao Ver. Artur Zanella, que fala em nome do Partido Frente Liberal.

 

O SR. ARTUR ZANELLA: Senhores e Senhoras, estava a ouvir meus colegas, raciocinando e imaginando que esta Sessão ficou completa com os dois discursos. O Ver. Antonio Hohlfeldt, um escritor, poeta, crítico literário, colocando aquilo que ele tão bem conhece e tão consegue transmitir da Literatura Portuguesa. O Ver. Vicente Dutra, com este nome "Dutra" estampado, trazendo o fruto do trabalho do Jornalista Pércio Pinto, os aspectos históricos da colonização portuguesa e da criação do Estado do Rio Grande do Sul.

Cabe-me, assim, autoridades presentes, falar um pouco mais sobre o aspecto que eu, sim, também como morador e Vereador desta Cidade, como descendente de Manoel Ferreira de Araújo, da zona do Minho, cujo pai - com o mesmo nome - veio trabalhar nas charqueadas, nos saladeiros de Pelotas, representando exatamente uma firma portuguesa do século passado, que me fez entender melhor toda essa saga portuguesa que se transformou no Brasil e no Rio Grande do Sul. Na verdade, há um tempo atrás parecia que o Rio Grande se criara no meio de uma batalha com  bandeirantes paulistas, padres, jesuítas, índios, negros, portugueses e que estavam aqui envolvidos gratuitamente numa batalha que não termina nunca. Com o tempo, com essas entidades, com os agentes da cultura, historiadores, poetas, escritores, este Estado, esta Cidade, vai reavendo as suas origens, e aí descobre e junta essas coisas que a gente passa e não vê, mas que tem que ver. Esse Mercado Público, que dizem que é uma cópia do Mercado da Figueira que tem em Lisboa, a Praça da Alfândega, a Casa dos Azulejos, este Parque Marinha do Brasil, que quando construído o Prefeito Municipal de Porto Alegre, encaminhou com o nome de Parque dos Açorianos, e foi alterado indevidamente nesta Casa, por problemas políticos, no momento, para Parque da Harmonia, para dar o nome de uma outra Praça que havia sido ocupada durante a 2ª Guerra. Tudo isso, na verdade, trouxe essa consciência na minha opinião e de muitos, de que algo se junta nesse País, quando tantos falam em separação. Existe uma revista "Isto É" que tinha na página inteira de cartas, ela falava sempre a Guerra da Secessão, em que os nordestinos falavam mal dos sulistas e se perguntavam por que esse País não explodia, e não se dividia, e sempre havia e há essa consciência de que essa colonização portuguesa é que tornou o Brasil este País indivisível. E se eu tenho essa consciência plena de que foi a cultura portuguesa, a sua música, a sua culinária, enfim, esse espírito que manteve e manterá, sempre – espero - esta Pátria unida.

Então eu faço minhas as palavras, há poucos dias do Presidente dos Açores, aqui em Porto Alegre, que dizia que se sentia como se estivesse em Casa. Ele andou aí pelo litoral, ele andou pelo interior, foi a Rio Pardo, andou por esta Cidade, por essas ilhas e deve ter visto que essa colonização manteve e manterá sempre este País indivisível. No ano passado, em abril, pedi esta mesma homenagem, no mês de abril, a data do descobrimento e naquela época não tive oportunidade de dizer, Sr. Cônsul, um fato que ocorreu este ano, no desfile de carnaval. Eu represento e acompanho uma das comunidades mais pobres de Porto Alegre, o Bairro ou a Vila Restinga e lá estão sempre ouvindo discursos políticos de candidatos, meus e de dezenas de candidatos. E eles ouviram tanto uma frase dos candidatos que lá vão, inclusive de mim, quando aproveito em algum discurso e uso a frase como se fosse minha, que o Presidente da Escola de Samba Estado Maior da Restinga, quando saiu para desfilar no carnaval com a sua Escola e ser campeão, ele, que deve ter o 3º ou 4º ano primário, pobre, disse: "Pessoal, vamos tentar ganhar o carnaval, mas se nós perdermos, não há problema, porque como sempre disse - e, aí, citou Fernando Pessoa – “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. Lá, na Vila Restinga. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Queremos registrar, ainda, a presença do Prof. Fernando Schüller, Coordenador do livro da Secretaria Municipal de Cultura, dos Vereadores Omar Ferri e Leão de Medeiros.

Passamos a palavra à Profª Ione Menegolla, que foi a pessoa que fez o contato conosco para a proposição da Sessão que ora se realiza.

 

A SRA. IONE MENEGOLLA: Ver. Antonio Hohlfeldt, DD. Presidente da Casa; Ver. Airto Ferronato; Sr. Cônsul Luiz Manoel Dias da Silveira e sua esposa; Sr. Régis Renê Eggers; Sr. Joaquim Ferreira de Mello; Sr. Silvino Gomes Novo; Sr. Carlos Noronha Feyo, que é lindinho por dentro. (Lê.)

"A língua de Camões, ao fim e ao cabo, a nossa língua, se eleva nesta homenagem ao homem, por excelência engenhoso e épico e à terra portuguesa, por excelência culta, rica e bela.

A relação de nós, brasileiros, com Camões, a sua língua, a sua terra e o seu tempo não é de curiosidade, mas verdadeiramente de base, de fonte, de nascedouro. Se Camões dá asas de autonomia e modernidade ao homem português, este vôo estético-existencial dá abrigo ao ser brasileiro, que passa a fazer morada no peito épico-lírico português.

O nosso incessante retomar o tema do homem português e da terra portuguesa se põe como afirmações das nossas origens, pois somos as ramas crescidas das raízes lusas. Para melhor bebermos da fonte portuguesa, para melhor degustarmos o alimento, de cujo cardápio participam, entre tantos, Camões, símbolo dos amores vitoriosos e encantados, que da Antigüidade ao Renascimento, num passo de glória, onde a beleza, o amor e o conhecimento estético resplandecem, marcou encontro entre o sagrado e o profano, vislumbrando um novo tempo, no cantar um novo homem, transcendendo assim o cronológico para se afirmar como um símbolo que marcou uma época, com povos edificando um processo estético-ideológico, alcançando e atingindo a humanidade.

Camões faz notar que o trabalho e arte podem e devem estar ligados à sabedoria. Para evidenciar esta idéia, remete aos grandes vultos de outrora: "Vai César subjugando toda a França / E as armas não lhe impedem a ciência; / Mas, numa mão a pena e noutra a lança / Igualava de Cícero a eloqüência / o que de Cipião se sabe alcança / É na comédia grandes experiências. / Lia Alexandre a Homero de maneira / Que sempre se lhe sabe à cabeceira". Camões nos revela que a verdade pode ser facilmente entendida através de conhecimentos e do saber.

Outro alimento nos fornece Bocage, que é ao mesmo tempo grandioso, debochado, gozador e humilde, a ponto de se comparar a Camões apenas nas desventuras, não nas glórias.

Saboreamos Almeida Garrett, marca registrada do Romantismo, que viajou literariamente na sua terra para melhor mostrar as fontes, os heróis e os caminhos traçados pelo espírito português.

Que prazer desfrutar de Eça de Queiroz, símbolo da desmistificação, da inomia (sic) e da sátira, que transitou do Lirismo, de Vitor Hugo, ao Simbolismo, de um Beaudelaire, fazendo-se pai, neste trânsito, do Realismo português. Que da Cidade às Serras nos mostrou a extensão da ilusão humana, que a felicidade pode residir nas coisas simples e pequenas e que a grandiosidade do homem não se mede apenas pela ciência. Eça queria, através da forma, encarnar a impressão intelectual, propiciando a atuação sobre a inteligência e sobre a alma, com persuasão e encanto. O seu propósito era o de atuar sobre o intelecto pela verdade e pela beleza, falando o ser na sua totalidade. Eça transformou a realidade, fazendo renascer um novo mundo ao nível artístico; revolucionando nosso conhecimento e nos fazendo co-produtores desse mundo.

Provar Fernando Pessoa e fingir que não, é uma glória. Fernando Pessoa um dos mentores das idéias do modernismo literário, que tão bem poetizou o mito de D. Sebastião, que desenvolveu a metamorfose de sujeito poético ou o seu desdobramento em outros seres, que significa assumir os contrários humanos como problema temático. Da metamorfose de um, evolui o embrião do outro.

O poeta tinha consciência do mistério em todo. Cada coisa para ele era uma porta aberta, por onde ele via a mesma escravidão. Quanto mais ele olhava, mais compreendia aquela escuridão. E quanto mais compreendia, mais se sentia escuro em compreender a escravidão. “Conhecemos, pois, toda a escondida / Verdade do que é todo que há ou flui? / Não: nem.na Alma Livre é conhecida... / Nem Deus, que nos criou em si a inclui".

O mistério dos seres é muito complexo ou muito simples, de qualquer forma, o homem não está à altura para compreender totalmente um ou outro.

Entre a linguagem simples de um Alberto Caeiro e a metafísica de Ricardo Reis, até a linguagem complexa de Álvaro de Campos, os mundos se cruzam, Caeiro, Reis e Campos sonham e assim vêem as formas invisíveis.

A arte pessoana está para a vida assim como a arte apolínea está para a realidade grega. Se a arte apolínea é a expressão de uma necessidade, que é satisfeita pelas miragens artísticas, a arte pessoana é a criação de "ens", que convergem para o  prazer, para a compreensão do ser e da vida. "Por que é que  se morre? Talvez já não se sonhe bastante..." Pergunta e resposta de Fernando Pessoa. Se tudo é sonho, se a realidade é uma aparência que se mantém por meio de véus e ilusões, a arte ao contrário, defende a vida, entretanto a ilusão metafísica "De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas / A que chamamos o mundo? / A cinematografia das horas representadas? / Por atores de convenções e poses determinadas, / O circo policromo do nosso dinamismo sem fim? / De que te serve o teu mundo interior que desconheces?" Ocorre na metamorfose do homem para o sujeito político, em Fernando Pessoa, o que ocorre em Zaratustra, em Nietzsche, na passagem do monte para o vale, ao subir ao monte, Zaratustra levava cinza, ao descer levava fogo.

Ambos: Nietzsche e Fernando Pessoa, vêem o homem e o conhecimento como um problema e, por isso, beiram às profundezas da arte para melhor desvendar as falsas sabedorias.

Assim como Dionísio Aristotélico, o sujeito poético em Fernando Pessoa é o ordenador de um novo mundo estético. Dionísio nasce e conquista as almas porque nelas residem arquetipicamente os germes do novo mito e do novo culto. Também em Fernando Pessoa, o sujeito poético não teria se metamorfoseado em outros seres se nele não habitassem as multiplicidades do ser. Ele é um e é todos ao mesmo tempo.

Estes e tantos outros ilustres portugueses fazem morada em nosso ser, povoam os nossos sonhos, alimentam o nosso espírito, chegando ao coração da nossa realidade, daí serem essenciais na nossa cultura. Pois os portugueses correram o risco de cinza os mares, mais do que isso, correram o risco e criaram uma realidade, ou seja, o nosso ser cultural.

Tais temas alcançam e orientam a nossa ação cultural, os ânimos e o caráter tão fracos em nossa época. E como diz Camões, no conto X: "a vitória verdadeira é saber ter justiça nua e inteira".

Se calhar, eu cantarei o homem português, vida a fera (sic), agora, mesmo se não calhar, eu os continuarei amando e cantando a vida inteira. Muito obrigada.

 

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE: Registramos, ainda, a presença da Coordenadora de Mestrado de História da UFRGS, Professora Beatriz Franza.

Com a palavra o Sr. Luís Manoel Dias da Silveira, Cônsul de Portugal.

 

O SR. LUÍS MANOEL DIAS DA SILVEIRA: Senhores e Senhoras. (Lê.)

"Luís de Camões, infelizmente, não teve oportunidade de cantar em versos o Brasil, porque quando faleceu em 1580, o Brasil encontrava-se num estado ainda relativamente atrasado da sua colonização. Com o gênio e a cultura humanística que possuía, poderemos facilmente imaginar o que teria escrito sobre a gesta que o homem lusitano escreveu na América, se tivesse morrido mais tarde.

A história é o cimento que liga os povos ao seu passado, que lhes dá uma identidade e que quando as raízes são bem cuidadas lhes garante um futuro promissor. Um retorno às origens é sempre salutar, para sabermos quem somos e, assim, mais facilmente sabermos para onde queremos ir.

Luís de Camões é um daqueles raros que se foram da lei da morte libertando e hoje é justamente homenageado, pois encarna em si o espírito da Pátria. Batalhou com a espada e com a pena, qual delas a mais brilhante? Lutou na África, onde perdeu um olho, combateu na Índia, combateu em Macau, escreveu em versos a epopéia de Vasco da Gama, na primeira viagem que um europeu fez à Índia, circunavegando a África. Salvou - num naufrágio entre Macau  e Goa - o manuscrito de "Os Lusíadas", que poderá ser considerado como Bíblia da pátria. Faleceu em 10 de junho de 1580, na miséria e angustiado, após o desastre Alcácer-Quibir, em Marrocos, em 4 de agosto de 1578.

Luís de Camões é um exemplo para todos nós, é o herói romântico tantas vezes exilado da corte devido aos seus casos amorosos, é o soldado intrépido, para quem a pátria estava acima de tudo; é o poeta genial, que soube com arte e engenho pôr em estrofes raras belezas e perfeitas técnicas; é gesto de um povo. Um homem como Luís Vaz  de Camões não acontece todos os séculos, porém já se passaram mais de quatro séculos sobre sua morte e - permitam-me desejar - que outro Camões surja, com igual gênio, para exaltar a gesta luso-brasileira, e deste modo impulsionar Portugal e  Brasil, dois países irmãos, que constituem uma só Pátria, a caminharem juntos, lado a lado, na senda de um futuro que merecem, que está ao seu alcance e que hão de ter.

Viva Portugal!

Viva o Brasil!" (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Antes de encerrarmos esta Sessão Solene, convidamos a todos para, em pé, ouvirmos o Hino Nacional português.

 

(Ouve-se o Hino Nacional português.)

 

O SR. PRESIDENTE: Estão encerrados os trabalhos.

 

(Levanta-se a Sessão às 18h17min.)

 

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